Direito Intertemporal e Fungibilidade dos recursos no Novo Código de Processo Civil
- Philipe Andreucci

- 19 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Enquanto não proferida a decisão judicial, a parte não tem direito ao correspondente recurso. Uma vez protocolada a decisão, surge uma espécie de direito adquirido processual àquele recurso.
Com efeito, já proferida a decisão, a parte pode exercer seu direito de interpor o recurso cabível submetendo-se a lei vigente ao tempo em que a decisão foi prolatada, devendo-se aplicar a lei vigente no momento em que a decisão se tornou recorrível, sendo assim, a admissibilidade do recurso rege-se pela lei em vigor ao tempo da decisão.
A decisão em primeira instância é considerada proferida e se torna recorrível quando publicada, ou seja, quando tornada pública ou enviada aos autos. Já em segunda instância, a situação é a mesma se a decisão for do relator, porém, se for uma decisão colegiada, o direto ao recurso nasce quando anunciado o julgamento pelo presidente da sessão.
É antigo o entendimento do Supremo Tribunal Federal segundo o qual “disciplina o cabimento dos recursos a lei vigente ao tempo em que a decisão é proferida”[1]. Consoante afirmado e reafirmado na jurisprudência do STF, “regula o cabimento de recurso a lei vigente ao tempo da decisão recorrida”.[2]
Com a finalidade de orientar os jurisdicionados e tutelar a segurança jurídica, o plenário do Superior Tribunal de Justiça, em sessão administrativa do dia 9 de março de 2016, editou enunciados relativos à aplicação do novo Código, destacando-se os de número 2 e 3, assim redigidos:
Enunciado administrativo número 2: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até, então, pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, uma vez lançada aos autos, a decisão torna-se pública, passando a parte interessada a dispor do direito de recorrer. Aplica-se, quanto a admissibilidade do recurso, a lei em vigor no momento em que a decisão se tornou pública, passando a integrar o processo.
A publicação do ato processual ocorre a partir do momento em que este se torna acessível, ao menos, às partes e seus advogados. É o registro, tanto da sentença quanto do acórdão, que concede publicidade ao ato decisório, fazendo nascer para o sucumbente o direito de recorrer.
Portanto, adquire-se o direito ao recurso quando a decisão se torna pública, ou seja, quando ela é lançada aos autos, passando a integrar o processo.
A publicidade do ato se dá por um ato cartorário, de registro, ao passo que o prazo para o recurso, para iniciar, depende de um segundo, com finalidade comunicativa: a intimação.
Como já visto, o CPC-2015 aboliu o agravo retido. As decisões interlocutórias ou são impugnáveis imediatamente por agravo de instrumento ou por preliminares em apelação.
Se a decisão interlocutória foi proferida antes do início de vigência do novo Código, será agravável, podendo ser atacada por agravo retido ou por agravo de instrumento. Interposto agravo retido, este, como se sabe, não produz efeito devolutivo imediato, seu efeito devolutivo é diferido. Ao agravante cabe reiterar o agravo retido nas razões ou contrarrazões de apelação. Assim, adquirido o direito ao agravo retido, este poderá ser interposto, devendo haver a reiteração nas razões ou contrarrazões de apelação, ainda que a sentença venha a ser proferida sob vigência do CPC-2015.
Por outro lado, quanto às decisões proferidas durante a vigência do novo Código, aplica-se seu regime recursal, cabendo agravo de instrumento das decisões que estejam previstas no seu artigo 1.015 e, quanto as decisões não agraváveis, apelação ou recurso nas contrarrazões de apelação.
É possível, então, haver, num processo pendente, agravo retido contra a decisão proferida ainda na vigência do Código revogado e apelação ou recurso nas contrarrazões contra decisão proferida durante a vigência do novo Código.
A propósito, eis o Enunciado 355 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:
“Se no mesmo processo, houver questões resolvidas na fase de conhecimento em relação às quais foi interposto agravo retido na vigência do CPC/1973, e questões resolvidas na fase de conhecimento em relação às quais não se operou a preclusão por força do art. 1.009, & 1º, do CPC, aplicar-se-á ao recurso apelação do art. 523, § 1º, do CPC/1973 em relação àquelas, e o art. 1.009, § 1º, do CPC em reação a estas”.
Nesse quesito, cumpre destacar o princípio da fungibilidade dos recursos, que decorre dos princípios da boa-fé processual, da primazia do julgamento do mérito e da instrumentalidade das formas, é aquele pelo qual se permite a conversão de um recurso em outro.
O CPC 2015 prevê três regras específicas de fungibilidade recursal. Duas delas referem-se aos recursos excepcionais e estão dispostas nos seus artigos 1.032 e 1.033:
Art. 1.032. Se o relator, no Supremo Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional.
Parágrafo único. Cumprida a diligência que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Eleitoral, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.
Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação da lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.
A terceira regra cuida da relação entre os embargos de declaração e o agravo interno:
Art. 1.024 § 3º O órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º.
Essas regras aplicam-se imediatamente, mesmo que o recurso tenha sido interposto ao tempo do Código revogado. As regras de fungibilidade de recursos devem ser aplicadas desde logo, evitando-se inadmissibilidades e viabilizando o julgamento do recurso interposto.
[1] STF, 3ª Turma, AI 36.032, rel. Min. Luiz Gallotti, j. 21.03.1966, DJ 24.08.1966, p 2822; RTJ, v. 37-03, p. 679
[2] STF, 1ª Turma, RE 78.057, rel. Min. Luiz Gallotti, j. 05.03.1974,DJ 29.03.1974, p. 1879







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